A nós, cara gente branca

Por Caroline Bresolin Maia e Daniela Rosendo

A Campanha 16 Dias de Ativismo Pelo Fim da Violência Contra Mulheres é uma iniciativa global que visa sensibilizar e mobilizar indivíduos e comunidades para tomarem medidas contra a violência baseada no gênero. No Brasil, nos últimos anos, a campanha ganhou alguns dias a mais, iniciando no Dia da Consciência Negra, a fim de ressaltar a violência contra as meninas e mulheres negras. Hoje, portanto, dia 20 de novembro, iniciamos a Campanha 21 Dias de Ativismo pelo Fim do Racismo e da Violência Contra Mulheres. Até o dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, quando se encerram os 21 dias, iremos passar por várias outras datas importantes que buscam nos conscientizar sobre vários aspectos que impactam a vida de diversas pessoas e grupos, atravessadas por questões de gênero e raça.

Dependendo de como você se constitui como sujeito, você poderia se perguntar: “e como eu posso me engajar nessa campanha?” Ou, de um lugar mais distanciado: “como eu me relaciono com essas questões?” Se você for uma pessoa branca ou negra, homem ou mulher, as respostas serão muito diferentes, sem dúvida. Nós, que escrevemos esse texto, vivenciamos esses temas a partir da condição de mulheres brancas. Portanto, é do lugar de quem constitui as relações sociais a partir dessa identidade que falamos sobre nossas experiências. Nem sempre nós tivemos consciência do que é ser uma menina ou uma mulher numa sociedade patriarcal e, portanto, estruturalmente machista. Foi com o passar dos anos que, cada uma a seu tempo, foi aprendendo sobre os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres, e se rebelando contra essas caixinhas. 

Adultas que hoje somos, não correspondemos aos lugares que o patriarcado quer relegar às mulheres, como à restrição à vida doméstica e à maternidade. Ao contrário, nós duas nos reconhecemos como sujeitos políticos que fazem política. Com isso, queremos dizer que estamos na luta pela construção de uma sociedade justa em todas as suas dimensões. Isso traz, portanto, um desafio: compreender que mesmo sendo atravessadas pela opressão de gênero, a nossa branquitude nos coloca num lugar de privilégios em relação às pessoas negras. Isso ocorre porque, além de patriarcal, nossa sociedade também é colonial e, logo, racista. Nesse contexto, a palavra “carta-branca” nos parece uma perfeita expressão de como o racismo estrutural opera. Plenos poderes para uns, interdição para outros. Ou seriam “podres poderes”?

A partir do letramento racial, isto é, do processo de conscientização sobre a estrutura e o funcionamento do racismo na sociedade a fim de superá-lo, temos uma responsabilidade individual e coletiva de nos engajar na construção de uma sociedade livre de discriminações. Como nós podemos aprender a pensar e agir de forma diferente? Um passo importante nessa direção é questionarmos e subvertermos, a todo momento, tudo que foi ou vem sendo naturalizado. Essa naturalização pode ser tanto da ausência ou escassez quanto da presença majoritária de pessoas negras em determinados espaços, seja na educação, nas profissões e no mercado de trabalho de forma geral, na distribuição de renda, na questão territorial – seja nos espaços urbanos ou rurais, e assim por diante.

E o que fazer diante dessa percepção e desse diagnóstico que temos a partir do momento em que a presença ou ausência maciça de pessoas negras nos incomoda moralmente, como pessoas brancas? Como escreveu Sidarta Ribeiro, no seu livro Sonho Manifesto, nós precisamos “coser sínteses equilibradas de nossa humanidade”, expondo-nos a culturas variadas e, portanto, aprendendo sobre a alteridade. Só aprendemos a pensar diferente quando nos expomos a outras ideias e nos questionamentos de forma genuína, com disposição para fazer diferente. 

Precisamos abrir mão dos privilégios. Mesmo que isso não seja apenas uma questão individual, na medida em que seu caráter estrutural e institucional demanda políticas públicas voltadas à coletividade, estamos dialogando aqui com a dimensão da responsabilidade individual que se soma à coletiva. A filósofa Angela Davis nos ensina que “numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”. Então findamos com a pergunta: do que você se dispõe a abrir mão para não só deixar de ser racista, mas ser antirracista?

Ps: O título do artigo remete à série de televisão estadunidense Cara Gente Branca (Dear White People, no original, que remete à questão racial a partir de estudantes universitários(as) negros(as).

Entenda mais sobre a Campanha: 21 Dias de Ativismo pelo Fim do Racismo e da Violência Contra Mulheres

A iniciativa procura envolver várias partes interessadas, incluindo governos, organizações da sociedade civil e o público em geral, nos esforços para abordar e prevenir a violência baseada no gênero, sobretudo quando é atravessada pela questão racial. O impacto da campanha passa pela sensibilização sobre o tema, mas avança na capacitação visando desafiar as normas e práticas sociais que perpetuam a violência contra meninas e mulheres. Por meio de iniciativas educativas e esforços de advocacy – a defesa de direitos, os 21 Dias de Ativismo pelo Fim do Racismo e da Violência contra Mulheres buscam promover o pensamento crítico e a tomada de decisões informadas, permitindo aos indivíduos e às instituições confrontar e abordar questões relacionadas com a temática. Assim, a campanha enfatiza a importância da colaboração e da solidariedade, incentivando as pessoas a trabalharem em conjunto para criar ambientes mais seguros e inclusivos para mulheres e meninas.

Os 21 Dias de Ativismo Pelo Fim do Racismo e da Violência contra Mulheres são sustentados por uma abordagem baseada nos direitos, alinhando-se com os quadros e convenções internacionais que almejam proteger e promover os direitos das mulheres e das meninas e superar a discriminação racial, a exemplo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres e da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ambas da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse sentido, a campanha reforça a noção de que estar livre da violência é um direito humano fundamental e que todos as meninas e mulheres têm o direito de viver as suas vidas livres de violências, ameaças e discriminação. 

A iniciativa sublinha a importância da responsabilização individual mas tambéme do Estado no combate à discriminação racial e à violência baseada no gênero, apelando à aplicação de proteções legais e à acusação dos violadores, quando a violência não pôde ser previnida. Portanto, os 21 Dias de Ativismo pelo Fim do Racismo e da Violência contra Mulheres representam um esforço crucial e multifacetado para combater a discriminação racial e a violência baseada no gênero e promover a igualdade. Ao alavancar a educação, a defesa e a colaboração, a campanha procura sensibilizar e capacitar indivíduos e comunidades para desafiar práticas prejudiciais e contribuir para a criação de uma sociedade mais justa e equitativa.

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